Lu G. Mallmann
Artes Plásticas
Salvador Dalí ainda gera muita discussão
Em ano do centenário de nascimento do pintor espanhol, a controvérsia parece ainda alimentar a fama do artista
Thiago Alonso
“Salvador Dalí era oportunista”.
A frase, dita pelo artista plástico Paulo Campagnolo, de Maringá, dá a dimensão da imagem polêmica que o pintor espanhol Salvador Dalí criou ao redor de si mesmo e das diferentes opiniões que suscitam sobre a pessoa dele. A afirmação poderia ter saído de qualquer boca que tenha os olhos voltados para as oníricas telas criadas pela mente surreal de Salvador Dalí, que no mês passado completou cem anos de nascimento. Porque Dalí, com a arte e as atitudes sempre polemistas, desperta até hoje discussões e declarações apaixonadas em torno de tudo que o envolve. Porque Dalí, mesmo 15 anos após a morte, é amado e odiado e parece retumbar no inconsciente das pessoas. Afinal, quem não se lembra do famoso quadro “Persistência da memória”, no qual relógios moles escorrem em uma inóspita paisagem?
Dada a importância do pintor, as comemorações do centenário durarão cerca de dois anos, com lançamento de livros escritos por ele e sobre ele. Também exposições retrospectivas da obra vão passar por diversos países, além de publicações sobre Dalí em jornais e revistas. Tudo ganha aspecto grandioso quando envolve o nome Salvador Dalí, que adotou, como meio de fazer sucesso, a autopromoção. O artista se considerava um gênio, dava declarações polêmicas sobre religião, erotismo, morte e outros assuntos, citava e retratava a si mesmo à exaustão e se expunha sem medo de ser repreendido ou ridicularizado. “Ele tem uma tremenda importância principalmente por causa desse aspecto da autopromoção”, afirma Campagnolo. “Poucos homens atingiram o nível de popularidade como o dele, de se promoverem de tal maneira que pudessem fazer o que bem quisessem. Raros artistas conseguiram”, diz.
O jornalista Andye Iore chama a atenção para o pioneirismo de Dalí nas artes plásticas e no modo como o pintor dispõe nas telas as referências de sua própria vida. Segundo Iore, o mito se forma sobre Dalí justamente a partir da construção do modo peculiar como pinta. “Antes dele, nenhum outro artista havia pintado com aquelas misturas quase sem sentido. Para quem não tem referências, até pode parecer um monte de maluquices juntas na mesma tela. Mas quem tem o prazer de identificar situações da vida do artista e do cotidiano da época em suas telas, entende o por quê da genialidade de Dalí”, afirma.
Como tornar-se gênio
Aos seis anos, Dalí diz que quer ser cozinheira (assim, no feminino mesmo), aos sete, Napoleão, para mais tarde afirmar: “Desde então a minha ambição não cessou de aumentar, tal como minha mania das grandezas: já não quero ser senão Salvador Dalí e nada mais...”. E o pintor, até a morte, não cessará nunca de dar declarações narcisistas: “Todas as manhãs, quando acordo, experimento um prazer supremo: o de ser Salvador Dalí”.
Porém, há quem desconfie da genialidade que Dalí afirmava possuir. Paulo Campagnolo discorda dessa visão de que o pintor era gênio. “Salvador Dalí não pode ser considerado nunca gênio. Só se for um gênio da propaganda”, polemiza. “Falta à obra de Dalí tensão, conflito. Falta uma espécie de violência necessária para a ruptura, para que as bruscas mudanças se firmem. Com Dalí não há ruptura nenhuma.” Em contraponto, Andye Iore defende a genialidade do pintor. “Não entendo que as cenas absurdas criadas por Dalí sejam exploração da polêmica. Era apenas um gênio deixando vazar a criatividade além de seu tempo”, diz Iore.
Dalí seguiu o caminho controverso sem parecer se importar com críticas. Como um rei Midas (que tudo que tocava virava ouro) ao inverso, tudo que se aproxima de Dalí vira polêmica, seja Deus, sexo ou Hitler. Certa vez afirmou que “Cristo é queijo ou melhor, montanhas de queijo”, para comprovar seu método do delírio comestível, que dizia saber o que comia e não o que fazia. Já o erotismo, dizia ser “uma via real da alma de Deus”.
Como tornar-se louco
Com as atitudes extravagantes, as declarações provocativas, a fama e a vida polêmica, Dalí atinge uma popularidade estrondosa. Em vida, é falado como nunca. E, levando ao pé da letra a atitude artística surrealista, dando vazão aos sonhos, medos, pesadelos, delírios inconscientes, o pintor é tachado de louco, coisa que nunca foi, como ele mesmo se defendia: “O palhaço não sou eu! Mas esta sociedade monstruosamente cínica e tão ingenuamente inconsciente que joga ao jogo do sério para melhor esconder sua loucura. Porque eu – nunca é demais repeti-lo – não sou louco. A minha própria lucidez atingiu mesmo um tal nível de qualidade e de concentração que não existe uma personalidade mais heróica e prodigiosa neste século e, excluindo Nietzsche (e mesmo ele, morreu louco), não encontramos equivalente noutros”.
O principal alvo das provocações de Salvador Dalí era o grupo de artistas surrealistas, principalmente o criador do movimento André Breton. Tanto o é, que Dalí acabou expulso do grupo pela atitude “anti-revolucionária”: “Dalí, tendo-se tornado culpado, por diversas vezes, de atos contra-revolucionários, tendentes à glorificação do facismo hitleriano, os abaixo-assinados propõem excluí-lo do surrealismo”, diz a carta de expulsão de Salvador Dalí do grupo. Os grandes fatores do ato de expulsão foram, além dos delírios que Dalí dizia ter pela figura de Adolf Hitler – que o imaginava e pintava imagens efeminizadas do ditador se disfarçando de mulher –, o gosto do pintor pelos temas escatológicos e sodomitas.
Por levar uma vida como esta, marcada pelo polêmico e pelo contestador, pela técnica de pintura “primorosa, uma das mais lindas da arte do século 20”, segundo Paulo Campagnolo, é que Dalí se tornou um dos artistas de maior reconhecimento e popularidade entre especialistas e público. Mesmo alguns gostando, outros não, Dalí continua em pauta. E as pessoas o discutem. “Eu particularmente não gosto do trabalho dele, porque Dalí não cria conflito e o surrealismo é um grande conflito”, diz Campagnolo. Já Andye Iore, “dalinamente”, concluí: “Só não gosta de Dalí quem não entende de arte... e isso é lamentável”. Enquanto isso, onde quer que esteja, Salvador Dalí acaricia o bigode e ri extravagantemente das pessoas, como um vencedor.
Imagem/www.germanische-freunde.de/matrix.html
O pintor Salvador Dalí é homenageado no ano do centenário
“Salvador Dalí era oportunista”.
A frase, dita pelo artista plástico Paulo Campagnolo, de Maringá, dá a dimensão da imagem polêmica que o pintor espanhol Salvador Dalí criou ao redor de si mesmo e das diferentes opiniões que suscitam sobre a pessoa dele. A afirmação poderia ter saído de qualquer boca que tenha os olhos voltados para as oníricas telas criadas pela mente surreal de Salvador Dalí, que no mês passado completou cem anos de nascimento. Porque Dalí, com a arte e as atitudes sempre polemistas, desperta até hoje discussões e declarações apaixonadas em torno de tudo que o envolve. Porque Dalí, mesmo 15 anos após a morte, é amado e odiado e parece retumbar no inconsciente das pessoas. Afinal, quem não se lembra do famoso quadro “Persistência da memória”, no qual relógios moles escorrem em uma inóspita paisagem?
Dada a importância do pintor, as comemorações do centenário durarão cerca de dois anos, com lançamento de livros escritos por ele e sobre ele. Também exposições retrospectivas da obra vão passar por diversos países, além de publicações sobre Dalí em jornais e revistas. Tudo ganha aspecto grandioso quando envolve o nome Salvador Dalí, que adotou, como meio de fazer sucesso, a autopromoção. O artista se considerava um gênio, dava declarações polêmicas sobre religião, erotismo, morte e outros assuntos, citava e retratava a si mesmo à exaustão e se expunha sem medo de ser repreendido ou ridicularizado. “Ele tem uma tremenda importância principalmente por causa desse aspecto da autopromoção”, afirma Campagnolo. “Poucos homens atingiram o nível de popularidade como o dele, de se promoverem de tal maneira que pudessem fazer o que bem quisessem. Raros artistas conseguiram”, diz.
O jornalista Andye Iore chama a atenção para o pioneirismo de Dalí nas artes plásticas e no modo como o pintor dispõe nas telas as referências de sua própria vida. Segundo Iore, o mito se forma sobre Dalí justamente a partir da construção do modo peculiar como pinta. “Antes dele, nenhum outro artista havia pintado com aquelas misturas quase sem sentido. Para quem não tem referências, até pode parecer um monte de maluquices juntas na mesma tela. Mas quem tem o prazer de identificar situações da vida do artista e do cotidiano da época em suas telas, entende o por quê da genialidade de Dalí”, afirma.
Aos seis anos, Dalí diz que quer ser cozinheira (assim, no feminino mesmo), aos sete, Napoleão, para mais tarde afirmar: “Desde então a minha ambição não cessou de aumentar, tal como minha mania das grandezas: já não quero ser senão Salvador Dalí e nada mais...”. E o pintor, até a morte, não cessará nunca de dar declarações narcisistas: “Todas as manhãs, quando acordo, experimento um prazer supremo: o de ser Salvador Dalí”.
Porém, há quem desconfie da genialidade que Dalí afirmava possuir. Paulo Campagnolo discorda dessa visão de que o pintor era gênio. “Salvador Dalí não pode ser considerado nunca gênio. Só se for um gênio da propaganda”, polemiza. “Falta à obra de Dalí tensão, conflito. Falta uma espécie de violência necessária para a ruptura, para que as bruscas mudanças se firmem. Com Dalí não há ruptura nenhuma.” Em contraponto, Andye Iore defende a genialidade do pintor. “Não entendo que as cenas absurdas criadas por Dalí sejam exploração da polêmica. Era apenas um gênio deixando vazar a criatividade além de seu tempo”, diz Iore.
Dalí seguiu o caminho controverso sem parecer se importar com críticas. Como um rei Midas (que tudo que tocava virava ouro) ao inverso, tudo que se aproxima de Dalí vira polêmica, seja Deus, sexo ou Hitler. Certa vez afirmou que “Cristo é queijo ou melhor, montanhas de queijo”, para comprovar seu método do delírio comestível, que dizia saber o que comia e não o que fazia. Já o erotismo, dizia ser “uma via real da alma de Deus”.
Com as atitudes extravagantes, as declarações provocativas, a fama e a vida polêmica, Dalí atinge uma popularidade estrondosa. Em vida, é falado como nunca. E, levando ao pé da letra a atitude artística surrealista, dando vazão aos sonhos, medos, pesadelos, delírios inconscientes, o pintor é tachado de louco, coisa que nunca foi, como ele mesmo se defendia: “O palhaço não sou eu! Mas esta sociedade monstruosamente cínica e tão ingenuamente inconsciente que joga ao jogo do sério para melhor esconder sua loucura. Porque eu – nunca é demais repeti-lo – não sou louco. A minha própria lucidez atingiu mesmo um tal nível de qualidade e de concentração que não existe uma personalidade mais heróica e prodigiosa neste século e, excluindo Nietzsche (e mesmo ele, morreu louco), não encontramos equivalente noutros”.
O principal alvo das provocações de Salvador Dalí era o grupo de artistas surrealistas, principalmente o criador do movimento André Breton. Tanto o é, que Dalí acabou expulso do grupo pela atitude “anti-revolucionária”: “Dalí, tendo-se tornado culpado, por diversas vezes, de atos contra-revolucionários, tendentes à glorificação do facismo hitleriano, os abaixo-assinados propõem excluí-lo do surrealismo”, diz a carta de expulsão de Salvador Dalí do grupo. Os grandes fatores do ato de expulsão foram, além dos delírios que Dalí dizia ter pela figura de Adolf Hitler – que o imaginava e pintava imagens efeminizadas do ditador se disfarçando de mulher –, o gosto do pintor pelos temas escatológicos e sodomitas.
Por levar uma vida como esta, marcada pelo polêmico e pelo contestador, pela técnica de pintura “primorosa, uma das mais lindas da arte do século 20”, segundo Paulo Campagnolo, é que Dalí se tornou um dos artistas de maior reconhecimento e popularidade entre especialistas e público. Mesmo alguns gostando, outros não, Dalí continua em pauta. E as pessoas o discutem. “Eu particularmente não gosto do trabalho dele, porque Dalí não cria conflito e o surrealismo é um grande conflito”, diz Campagnolo. Já Andye Iore, “dalinamente”, concluí: “Só não gosta de Dalí quem não entende de arte... e isso é lamentável”. Enquanto isso, onde quer que esteja, Salvador Dalí acaricia o bigode e ri extravagantemente das pessoas, como um vencedor.
Imagem/www.germanische-freunde.de/matrix.html
O pintor Salvador Dalí é homenageado no ano do centenário
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